Essa semana recebemos no escritório um cliente desesperado. Ele nos contou que era sócio de um amigo em uma rede de adegas em São Paulo, e que em um determinado momento, esse sócio contraiu várias dívidas em benefício próprio, só que em nome da empresa.
Essas dívidas ultrapassavam 1 milhão de reais!
O receio desse nosso cliente, era se o patrimônio pessoal que ele tinha, poderia de alguma forma ser atingido em razão dessas dívidas.
Essa é uma situação extremamente delicada, porque envolve uma falta grave de um dos sócios do negócio. Teoricamente, este sócio poderia ser condenado a indenizar nosso cliente na Justiça.
Mas sem considerar essa hipótese, afinal de contas, o patrimônio pessoal dos sócios pode ser atingido por dívidas da empresa?
A DISTINÇÃO ENTRE CPF E CNPJ
O legislador já deixou bem claro, há bons anos, que existe uma clara diferenciação entre CNPJ e CPF, ou seja, entre a pessoa física e a jurídica.
Isso significa dizer que, via de regra, as obrigações feitas pela empresa, não necessariamente vinculam seus sócios e vice-versa.
É o que nos diz os arts. 1.024 e 1.052 do Código Civil:
Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.
Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
É a chamada “autonomia patrimonial”, importante ferramenta jurídica que procura incentivar o empreendedorismo e fomentar a economia do país, diminuindo o risco empresarial para o empreendedor que se aventura no Brasil.
QUANDO SE APLICA A AUTONOMIA PATRIMONIAL?
É muito comum clientes chegarem no nosso escritório confundindo os tipos societários existentes no país.
Isso acontece em razão da notoriedade que alguns tipos societários adquiriram, como é o caso do MEI e do Empresário Individual (EI).
É muito importante deixarmos claro que a autonomia patrimonial só se aplica quando há personalidade jurídica, isto é, quando de fato existir uma distinção entre pessoa física e jurídica.
Não é o caso do Microempreendedor Individual e do Empresário Individual.
Nesses tipos societários, a pessoa física atua em nome próprio, e só adquire CNPJ para fiscalização tributária. Não há autonomia patrimonial.
Situação diferente acontece com as sociedades limitadas e as anônimas, como dispõe os arts. 1.052 (já citado acima) e 1.088 do Código Civil.
Então o primeiro passo é ter muita cautela no momento em que se cria a sua empresa.
QUEBRA DA AUTONOMIA
Falando especificamente das sociedades limitadas, que é o tipo societário mais utilizado no Brasil, já vimos que a regra é que os patrimônios não se confundem.
No entanto, existe sim, como em quase tudo no Brasil, uma importante exceção a essa regra.
É a chamada “desconsideração da personalidade jurídica”. Vamos imaginar a seguinte situação:
- 1. O sócio do nosso cliente contraiu um empréstimo de R$ 300.000,00 reais no banco, em nome da empresa. A empresa não teve caixa para pagar, e o banco os processou;
- 2. Sendo a ação julgada procedente (vitória do banco), inicia-se a fase de execução, isso é, o momento em que as contas e os bens começam a ser bloqueados se não tiver pagamento;
- 3. Depois de algum tempo em busca de bens, o banco nota que não há patrimônio suficiente na empresa.
Mas como? E os 300 mil reais? Alguma coisa foi feita com esse dinheiro, possivelmente desviado.
E é aí que entra a desconsideração da personalidade jurídica. Ela permite que em determinadas situações, desde que haja provas, o patrimônio dos sócios possam ser atingidos por dívidas da sociedade.
Diz o art. 50 do Código Civil:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
É muito simples: se houver algum tipo de fraude, ou confusão entre os patrimônios da empresa e dos sócios, estes vão responder com seus bens particulares.
Muito importante ressaltar que esse tipo de situação só acontece em processo judicial, com uma decisão do juiz autorizando.
CONCLUSÃO
A autonomia patrimonial é provavelmente a mais importante ferramenta jurídica para o empresário. Através dela, seus bens particulares ficam salvos caso o seu negócio não dê certo, e ele pode tentar novamente no futuro.
O problema é quando essa autonomia passa a ser utilizada com finalidade ilícitas, como fraudes bancárias, prejuízo a fornecedores e empregados, por exemplo, que são muito comuns.
No caso do nosso cliente citado no começo do artigo, ele terá todo tipo de argumento para responsabilizar seu sócio e defender seu patrimônio.